Nesta nova seção do CS faremos análises de obras de arte contemporânea, geralmente marginalizadas pela academia. Como primeiro estudo, trataremos do poema “Mineirinho” de Alexandre Pires, reproduzido em forma de canção pelo grupo SPC. Vamos à obra:
Mineirinho
Eu não tenho culpa de comer quietinho
No meu cantinho boto pra quebrar
Levo a minha vida bem do meu jeitinho
Sou de fazer não sou de falar.
Quer saber o que tenho pra lhe dar
Vai fazer você delirar
Tem sabor de queijo com docinho
Meu benzinho, você vai gostar.
É tão maneiro, uai
É bom demais
Não tem como duvidar
O meu tempero, uai
Mineiro faz
Quem provar se amarrar.
Ai, Ai
Não tem como duvidar
Faz, Faz
Quem provar se amarrar
Ai, Ai
Não tem como duvidar
Faz, Faz
Quem provar se amarrar.
Começaremos nossa análise pelo primeiro elemento do poema, o título. Mineirinho aponta para uma característica identitária específica: não é só a pessoa que nasce no estado de Minas Gerais, mas o apelido que uma pessoa que abarca os caracteres tradicionais da identidade mineira recebe nos outros estados do Brasil. Daí podemos tirar um primeiro aspecto do poema, que será ou não confirmado no decorrer da análise: ele fala sobre uma representação típica do mineiro.
A primeira estrofe parece que vem confirmar nossa hipótese inicial, pois fala de um dos estereótipos do mineiro, o do “sedutor quieto”, uma espécie de Dom Juan que acredita que a defesa é o melhor ataque. Esta figura do Dom Juan ponderado é exposta sobretudo no primeiro e no último verso da estrofe: “comer quietinho” e “sou de fazer não sou de falar”. Note que o poeta se utiliza de expressões da linguagem popular para fazer a caracterização do Dom Juan, o que rompe com a tradição da representação deste sedutor, que se servia da linguagem culta da alta literatura para ser representado. Esta quebra de paradigma e da expectativa além de ser uma característica da poesia moderna, acaba gerando um certo humor, que representa uma certa tradição na poesia a partir do pós-parnaso.
Na segunda estrofe Pires continua discursando sobre suas habilidades de sedutor, tentando convencer o leitor implícito de que o eu-lírico é realmente destro no que se refere aos prazeres sexuais. Aqui ele se serve de outra especificidade da cultura mineira como metáfora para seus dotes: a culinária. O verso “Tem sabor de queijo com docinho”, que faz referência aos prazeres que o poeta é capaz de dispor ao cônjuge, se utiliza de dois pratos conhecidíssimos da culinária popular mineira, o doce e o queijo, famosos por sua qualidade. Portanto, Pires continua a se valer de elementos da cultura popular para fazer sua caracterização.
A terceira estrofe segue as mesmas idéias da primeira e da segunda: a utilização da linguagem popular mineira (uai) e de metáforas referentes à culinária também popular mineira (o tempero), para demarcar suas qualidades de sedutor. O poema, portanto, se constrói numa estrutura dialética que exprime uma característica do mineiro, aqui no caso, de cunho sexual, onde a terceira estrofe é síntese estilística das duas primeiras. A quarta estrofe é apenas uma reafirmação do que fora dito durante o resto do poema, principalmente na terceira estrofe, funcionando como uma espécie de apêndice desta.
Vimos, portanto, que o poema fala sobre os dotes sexuais do mineiro, servindo-se para isso de elementos da cultura popular. A escolha destes elementos se deve ao fato de eles serem mais conhecidos no resto do país, até mesmo estereotipados como características primordiais do estado mineiro, e que levam ao pensamento de que Minas é um estado rural, cujos habitantes são sempre “caipiras” e, portanto, diminuídos perante o resto da população brasileira. Pires, no entanto, brinca com estes elementos ao utilizá-los para cantar a habilidade sexual exuberante do povo mineiro, já que num país tipicamente patriarcal como o nosso, tal habilidade é vista como motivo de orgulho e de diferencial positivo dentro da estrutura social. Assim, através de elementos vistos muitas vezes como motivo de chacota, o poeta eleva a posição do povo mineiro sobre os demais povos brasileiros.
Assim, apesar de parecer estar fazendo poesia lírica, que fala sobre um “eu”, o poeta na verdade faz poesia épica, pois está na verdade falando sobre um “nós”, o povo mineiro. Vimos como Pires já quebrara o paradigma do Dom Juan, mas também quebra com o paradigma da poesia épica em si, que explicitamente fala sobre nós, só admitindo pequenos trechos de lírica. Aqui, ao contrário, a estrutura toda é lírica, mas o sentido é épico.
Concluindo nossa análise, percebemos em Mineirinho um poema complexo, que possui uma estrutura aparente que só pode ser desmanchada através de uma análise rigorosa, para assim revelar seu verdadeiro sentido. Isso revela a consciência não só social de Pires, ao ministrar com destreza os sentidos das relações da cultura brasileira, como também a consciência literária, ao se mostrar consciente da nova exploração da forma que a poesia contemporânea tem feito.
6 comentários:
Lusca, dessa vez vc se superou!!!!
Nossa, eu nunca tinha visto a música sob esse aspecto!!!
Vc tem mta razão no que descreveu, porém será que Pires tb teve esse pensar ao escrever a música???
Nisso fiquei pensando....
Vc tem talento viu!!!
Parabéns mesmo!!!
bjos
Tem meu voto pra participar do colóquio de Lucila!
:D
^^
você já leu "estrutura da lírca moderna"? se tivesse lido não teria feito essa consideração descabida, ao afirmar que trata-se de um poema épico, e não lírico. na írica contemporânea o "eu lírico" é um "eu" social, coletivo, que se funde com o aspecto social ali representado.
é issa a crítica que a academia anda repassando aos sues discípulos hoje em dia?! - uma vergonha
infelismente tenho que admitir que a sua análise está equivocada e traz em si todo o ranço caquético de uma crítica que se quer revolucionária, piorneira, mas que apenas repete os erros do passado, fazendo girar os adjetivos randomicamente, afim de romper estruturas recém-criadas por ela mesma, numa constante girândola de termos e significados, que, em vez de renovarem os ares já tão viciados da nossa abóbada literária, apenas gira as catracas e as engrenagens de uma roda que não tem fim nem caminho, alternando termos e conceitos já saturados, alimentando uma crítica que cospe o bagaço da cana que ela deveria ajudar a tornar-se fruto, pois que seria sorvida pelo homem/pensador contemporâneo, transoformando-se no ícone de seu uso.
espero ter sido clara com essas poucas palavras que, ainda que sucintas, revelam todo o meu desprezo por essas blá blá blá blá....
^^ aahh como eu adoro o vocabulário e a postura dos críticos literários eheuehueheuheuehuh
ps- os seus leitores sabem que isso tudo é de brinks né ?! XD
Faça análise da Poesia de Alexandre Frota, outro grande Alexandre da literatura brasileira.
Eu juro que ri, RI MUITO!!! E até tentei levar a sério, mas não consegui... hauhauhauhauhauhau
Lembrei desse post aqui: http://blogmaislegal.blogspot.com/2008/07/extravasando-raiva.html
Abração Lusca! =D
Jesus...Jesus..Jesuuuus.
Tá, depois dessa você já pode entrar pra Academia Brasileira de Letras. Fato.
Beijos,
Bianca
ps: Alexandre Pires ficaria orgulhoso.
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