quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Rage!!

Descobri essa série de tirinhas no Capinaremos (pra quem não conhece esse blog, recomendo que procure o mais rápido possível!), e resolvi brincar de fazer alguns também. Sendo o Rage uma série muitas devez de humor negro, espero que ninguém se ofenda. Por enquanto só fiz esses, mas depois eu posto mais!

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Essa foi sacanagem

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Que blogueiro nunca passou por isso? Eu não!!

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Ficou sem resposta, Nietzsche?

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Pânico

Esses dias tenho pensado constantemente que vou morrer. Não que esteja cogitando o suicídio, muito pelo contrário: cada vez mais me velo lutando desesperadamente para encher meus pulmões com ar e fazer meu coração continuar batendo. Mas sinto sempre a morte por perto, me rondando, me espreitando, às vezes chegando perto e cortando um pedaço da minha vida com sua lâmina gelada. Esse é o medo: de que ela esteja realmente por perto. E é justamente esse medo que está me matando.

Certas vezes a sinto tão próxima que pareço ver sua sombra projetando-se na minha frente. Viro-me então assustado e nada vejo além de nada. Em outras ocasiões quase posso sentir sua mão tocando meu ombro de leve, ou acariciando meu cabelos, como se tentasse me dizer para não temê-la, pois suas intenções são as mais nobres possíveis. Novamente a procuro com os olhos e não a encontro. Talvez seja esse meu erro, tentar vê-la com os olhos, que não podem achar o invisível. Deve ser isso, pois não acho que esteja tendo alucinações. Pelo menos não por causa de algum erro de receita médica, já que não tomo nenhum remédio. Desde sempre me recusei a tomá-los. Não gosto dessa idéia de calma ou felicidade, que já se compra pronta, sintetizada e embalada, e cujo acesso só se consegue se um senhor vestido de branco te escrever um conselho num pedaço de papel ou se você tiver um amigo em condições financeiras não tão boas que o obriguem a trabalhar por detrás de um balcão. Calma, felicidade? Isso me soa mais como business.

Não, não acredito nos remédios. O que posso fazer, sou fruto dessa coisa que alguns chamam de pós-modernidade, com sua desconfiança das confianças e das desconfianças. Hoje em dia acabam-se cada vez mais as certezas, e o que sobra é somente o sonho do que antes se sabia real. Nada mais de muros para além dos quais não se pode ir, mas também nos quais podemos nos apoiar. É preciso se fechar às vezes – quase sempre – mesmo que não percebamos, pois só assim é que podemos ter uma idéia de onde agüentamos pisar. Mas hoje em dia; como saber aonde ir? Talvez essa seja a causa do medo: a impossibilidade de se saber seguro num mundo onde as verdades já se foram há tempos.

Num mundo onde só resta o medo e a morte. E o meu medo é de temer os dois. Cada vez que os sinto por perto meu coração dispara, as pernas tremes descontroladas, o ar parece que some ao meu redor. Perco de repente todas as forças, e só consigo pensar em parar de pensar. Minha doença está toda em mim, começa em mim e só terminará em mim. Disso eu sei, não preciso de nenhuma ciência, nenhuma hora marcada que me diga. Só não sei onde é que ela termina, embora eu tenha uma idéia de onde ela começa. Mas isso realmente ajuda? Saber que nada sei?

Só o que sei é que um fim se aproxima, seja ele qual for, pois não durarei mais muito tempo assim. Ou eu encontro uma saída, ou o medo acabará por me envolver tanto que serei sufocado. No fim, finalmente encontro um muro, talvez o último deles: o medo é o que me conduz, nos conduz nesses novos séculos, o medo de ficar doente, o medo de ser roubado, o medo de ficar sozinho, o medo de uma nova Guerra, o medo de não sermos humanos ou divinos, o medo de estarmos errados quanto a tudo o que criamos nesses milhares de anos de civilizações. Esse é nosso apoio derradeiro, aquele que norteia meus passos, que me guia por um caminho que só me levará a ela, aquela que eu temo tanto, que me acaricia às vezes como que dizendo para não me preocupar com o que há de vir, que será tudo igual no fim de tudo.

Esse é meu verdadeiro pânico: que tudo seja igual no fim de tudo.

sábado, 3 de outubro de 2009

Grandes análises de arte contemporânea I

Nesta nova seção do CS faremos análises de obras de arte contemporânea, geralmente marginalizadas pela academia. Como primeiro estudo, trataremos do poema “Mineirinho” de Alexandre Pires, reproduzido em forma de canção pelo grupo SPC. Vamos à obra:

Mineirinho

Eu não tenho culpa de comer quietinho
No meu cantinho boto pra quebrar
Levo a minha vida bem do meu jeitinho
Sou de fazer não sou de falar.
Quer saber o que tenho pra lhe dar
Vai fazer você delirar
Tem sabor de queijo com docinho
Meu benzinho, você vai gostar.

É tão maneiro, uai
É bom demais
Não tem como duvidar
O meu tempero, uai
Mineiro faz
Quem provar se amarrar.

Ai, Ai
Não tem como duvidar
Faz, Faz
Quem provar se amarrar
Ai, Ai
Não tem como duvidar
Faz, Faz
Quem provar se amarrar.

Começaremos nossa análise pelo primeiro elemento do poema, o título. Mineirinho aponta para uma característica identitária específica: não é só a pessoa que nasce no estado de Minas Gerais, mas o apelido que uma pessoa que abarca os caracteres tradicionais da identidade mineira recebe nos outros estados do Brasil. Daí podemos tirar um primeiro aspecto do poema, que será ou não confirmado no decorrer da análise: ele fala sobre uma representação típica do mineiro.

A primeira estrofe parece que vem confirmar nossa hipótese inicial, pois fala de um dos estereótipos do mineiro, o do “sedutor quieto”, uma espécie de Dom Juan que acredita que a defesa é o melhor ataque. Esta figura do Dom Juan ponderado é exposta sobretudo no primeiro e no último verso da estrofe: “comer quietinho” e “sou de fazer não sou de falar”. Note que o poeta se utiliza de expressões da linguagem popular para fazer a caracterização do Dom Juan, o que rompe com a tradição da representação deste sedutor, que se servia da linguagem culta da alta literatura para ser representado. Esta quebra de paradigma e da expectativa além de ser uma característica da poesia moderna, acaba gerando um certo humor, que representa uma certa tradição na poesia a partir do pós-parnaso.

Na segunda estrofe Pires continua discursando sobre suas habilidades de sedutor, tentando convencer o leitor implícito de que o eu-lírico é realmente destro no que se refere aos prazeres sexuais. Aqui ele se serve de outra especificidade da cultura mineira como metáfora para seus dotes: a culinária. O verso “Tem sabor de queijo com docinho”, que faz referência aos prazeres que o poeta é capaz de dispor ao cônjuge, se utiliza de dois pratos conhecidíssimos da culinária popular mineira, o doce e o queijo, famosos por sua qualidade. Portanto, Pires continua a se valer de elementos da cultura popular para fazer sua caracterização.

A terceira estrofe segue as mesmas idéias da primeira e da segunda: a utilização da linguagem popular mineira (uai) e de metáforas referentes à culinária também popular mineira (o tempero), para demarcar suas qualidades de sedutor. O poema, portanto, se constrói numa estrutura dialética que exprime uma característica do mineiro, aqui no caso, de cunho sexual, onde a terceira estrofe é síntese estilística das duas primeiras. A quarta estrofe é apenas uma reafirmação do que fora dito durante o resto do poema, principalmente na terceira estrofe, funcionando como uma espécie de apêndice desta.

Vimos, portanto, que o poema fala sobre os dotes sexuais do mineiro, servindo-se para isso de elementos da cultura popular. A escolha destes elementos se deve ao fato de eles serem mais conhecidos no resto do país, até mesmo estereotipados como características primordiais do estado mineiro, e que levam ao pensamento de que Minas é um estado rural, cujos habitantes são sempre “caipiras” e, portanto, diminuídos perante o resto da população brasileira. Pires, no entanto, brinca com estes elementos ao utilizá-los para cantar a habilidade sexual exuberante do povo mineiro, já que num país tipicamente patriarcal como o nosso, tal habilidade é vista como motivo de orgulho e de diferencial positivo dentro da estrutura social. Assim, através de elementos vistos muitas vezes como motivo de chacota, o poeta eleva a posição do povo mineiro sobre os demais povos brasileiros.

Assim, apesar de parecer estar fazendo poesia lírica, que fala sobre um “eu”, o poeta na verdade faz poesia épica, pois está na verdade falando sobre um “nós”, o povo mineiro. Vimos como Pires já quebrara o paradigma do Dom Juan, mas também quebra com o paradigma da poesia épica em si, que explicitamente fala sobre nós, só admitindo pequenos trechos de lírica. Aqui, ao contrário, a estrutura toda é lírica, mas o sentido é épico.

Concluindo nossa análise, percebemos em Mineirinho um poema complexo, que possui uma estrutura aparente que só pode ser desmanchada através de uma análise rigorosa, para assim revelar seu verdadeiro sentido. Isso revela a consciência não só social de Pires, ao ministrar com destreza os sentidos das relações da cultura brasileira, como também a consciência literária, ao se mostrar consciente da nova exploração da forma que a poesia contemporânea tem feito.

domingo, 27 de setembro de 2009

MICROCONTOS

Tava olhando o blog do meu amigo Dj, e vi que ele se enveredou no mundo pitoresco dos microcontos. Como bom invejoso que sou, resolvi imitar na cara dura. Fiz esses daí agorinha, como experiência. Tentei fazer com no máximo 140 caracteres, à la Twitter. O resultado não ficou muito bom, mas é até engraçadinho. Confiram aí:


Esquizofrenia I

- Doutor, eu tenho cura?

- Espero que não, senão eu é que me fodo!


Dialética

- Eu quero.

- Eu não.

- Então vai na mão.


Doutrina

O genial não foi ele ter pensado pelos outros, mas ter feito parecer que eles pensavam por si próprios.


Esquizofrenia II

- Você é muito feio!

- E você muito autocrítico.


Concepção

- Fiz um poema.

- E cadê ele?

- No berço, dormindo.


O Vampiro da Capital.

Convidaram ele para entrar em casa e depois ficaram putos que lhes chupou o sangue.


O Vampiro do Capital.

Convidaram ele para entrar em casa e todo dia arrumam quem não tem casa para ele chupar o sangue.


Quem quiser conferir os microcontos de Dj, não tenham medo e cliquem aqui! E quem sabe depois eu não escrevo mais?

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O homem sem rosto

Ele era uma daquelas pessoas que costumam chamar de “cidadão modelo”, “pai de família”, “empregado do mês”, etc. De casa para o trabalho, do trabalho para casa. Férias com a família por todo o país, exterior quando juntavam dinheiro. Família grande, reunida. Pouca bebida, charutos cubanos, só. Comunhão no fim de semana, roupas bonitas. Amigos em casa, churrasco. Jornal do horário nobre, não queria parecer ignorante no trabalho. Bom trabalho, aliás. Chefes satisfeitos, subordinados admirados. Nem muito conservador a ponto de ser chamado de reacionário. Nem muito liberal a ponto de ser chamado de revolucionário. Era assim mesmo: andava bem em cima da linha, nem um passo lá, nem um passo cá.

Mas aconteceu de um dia, enquanto ele dormia e sonhava os mesmos sonhos de sempre, entrarem na sua casa e levarem embora o seu rosto. Quando ele acordou na manhã seguinte, olhou-se no espelho do banheiro e viu que não via nada no lugar da sua face, só um vazio de manequim. Imediatamente ficou revoltado com aquilo, imaginando que bandidos haviam entrado na sua casa sorrateiramente e roubaram, sem a menor honra, seu rosto. Gritando de raiva, pensou em ligar para a polícia, mas quando pegou o aparelho de telefone percebeu um papel com um carimbo do governo federal. Era uma ordem de apreensão. Dizia que seu rosto havia sido recolhido por causa de várias irregularidades que constavam no sistema, todas elas listadas num linguajar incompreensível que falava de leis, códigos, números e atos, entre outras coisas do jargão jurídico. Junto com a ordem estava uma intimação para ver um juiz e dar seu depoimento naquela mesma manhã. Acalmou-se, vestiu seu melhor terno, e, despedindo-se da sua família que o olhava sem grande espanto, resolveu que iria solucionar seu problema naquele mesmo dia com o juiz.

Confiante, nem se lembrou de chamar seu advogado. Chegou sozinho ao fórum e mostrou a intimação à recepcionista, que, como se retirasse sofrivelmente das suas estranhas a força para parecer prestativa, indicou metodicamente a sala na qual ele esperaria até ser chamado para falar com o meretíssimo. Lá ficou por horas até ser chamado, suando na pequena e sufocante sala. Quando entrou na sala do juiz, estava todo desgrenhado, havia tirado o paletó e tinha manchas de suor enormes debaixo do braço. O juiz, ao vê-lo naquele estado, o suor descendo livremente por onde antes era seu rosto, olhou-o com repugnância e foi logo fazendo uma série de perguntas, tais como, onde o senhor estava na noite de 15 de outubro, quanto ganha por ano, para que time de futebol o senhor torce, com quantas mulheres ou homens o senhor já teve relações sexuais durante sua vida, em quem o senhor votou nas últimas eleições, e mais uma centena de indagações que pareciam não ter nenhuma ligação com o desaparecimento do seu rosto. Desaparecimento não, corrigiu o juiz ao ser indagado, recolhimento, e estas questões estão totalmente ligadas ao seu caso, portanto não se atreva a respondê-las falsamente, e massacrou o homem com mais uma série de perguntas que durou uma pequena eternidade. Quando o inquérito finalmente cessou, e ele, exausto, pensou que teria seu rosto de volta, o juiz mandou que ele aguardasse o contato do fórum que indicaria o andamento do seu caso. E com um aceno de mão apressado, expulsou-o de sua sala.

No outro dia o homem procurou seu advogado, perguntando o que poderia ser feito. Este, após ouvir seu cliente e requisitar no fórum todos os arquivos disponíveis do processo, explicou ao homem, em advoguês, que nada poderia ser feito além de fazer um requerimento e esperar o andamento do caso. O homem não se contentou com a resposta e procurou um advogado mais conceituado e mais caro, que apenas lhe disse as mesmas coisas de uma forma ainda mais complicada. Sem saber mais o que fazer, o homem decidiu retornar à sua rotina e esperar que o mundo burocrático desse suas voltas.

Mas levar a rotina sem o seu rosto acabou se revelando terrivelmente angustiante para o homem, que se sentia como se estivesse nu. A solução para este problema ele encontrou quando passava, acidentalmente, em frente a uma loja de artigos cenográficos e teatrais, e viu, expostas na vitrine, muitas máscaras de variados tipos. Imediatamente entrou e comprou uma máscara de um homem respeitável, cabelos penteados, barba feita, olhar de seriedade, que lembrava bastante a expressão rotineira do seu próprio rosto. Quando colocou a máscara, esta se grudou ao que antes era o seu rosto, tornando-se uma face perfeita e impossível de ser identificada como uma face artificial. Olhou-se no espelho e percebeu, satisfeito, que embora a máscara representasse o rosto de um outro homem, era perfeitamente possível reconhecer sua própria identidade; assim, ninguém o confundiria com outra pessoa nem deixaria de identificá-lo caso o conhecesse.

Viveu desse jeito por muito tempo. Mas com o passar dos dias, começou a se sentir vazio, e percebeu que algo lhe faltava em alguma região do corpo ou da alma. Descobriu que era seu rosto antigo, pois mesmo satisfeito com o novo, ainda sentia dentro de si que aquele que via no espelho não era realmente ele. Enjoado da nova face, decidiu passar novamente na loja de máscaras e comprar uma nova, desta vez de um homem mais jovial e alegre, que lhe deu uma nova alegria no coração assim que substituiu a face antiga. Sentia-se muito bem, queria viajar, conhecer coisas novas, cantar na rua sem vergonha de parecer ridículo, escrever um livro de poemas. Queria viver.

Mas novamente, conforme foi passando o tempo, foi enjoando no novo rosto, e teve de trocá-lo mais uma vez. E isso foi se repetindo por vários anos, até que se tornou velho e já não sabia mais quem era.

Muito tempo e muitas máscaras depois (agora ele estava usando a máscara de um dog alemão, amargo e velho), ele teve de passar num cartório para dar entrada nuns papéis do seu seguro de vida, quando o funcionário que o atendia encontrou num envelope amarelado que estava nos fundos dos arquivos, o seu velho rosto. O funcionário do cartório mostrou o envelope para o homem, que ao abri-lo, encontrou um documento, datado de muitos anos anteriormente, dizendo que o rosto estava livre de acusações e suspeitas e por isso deveria ser entregue ao dono, com as devidas condolências. O homem, emocionado, perguntou porque nunca havia recebido o seu rosto de volta e o funcionário respondeu que provavelmente havia ocorrido um erro humano e burocrático, levando o rosto a ficar esquecido nos arquivos do cartório.

O homem não ficou irritado nem revoltado; apenas retirou, num gesto cansado, seu antigo rosto do envelope e deitou sobre ele um olhar misto de saudade e esquecimento. O rosto, provavelmente por causa dos anos que passara perdido dentro de um envelope em um arquivo velho, sujo e mofado, estava todo amassado, com algumas manchas aqui e outros rasgões ali. O homem, entretanto, tirou a máscara de cachorro e vestiu seu antigo rosto, mesmo estando ele deformado pelo abandono. Em seguida voltou pra casa e nunca mais falou sobre esse assunto até o dia da sua morte.



quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Estátua de sal

Ele era um mendigo sujo, desses que encontramos aos montes por aí. Carregava sempre um saco nas costas que usava como mochila para levar suas poucas tralhas, não se sabia ao certo o quê. A calça coronha deixava à mostra suas pernas finas e cheias de feridas que sangravam a todo momento, e, como não tinha muita força para caminhar, usava um cabo de vassoura como bengala. Isso lhe dava um certo diferencial entre os outros mendigos, um ar de originalidade. Isso para aqueles que sempre querem ver uma espécie de lado positivo nas coisas, pois todos sabiam que era pura e simples necessidade mesmo; era possível perceber, se você prestasse atenção, a expressão de vergonha em seus olhos, andando com aquelas feridas abertas e se apoiando no ridículo cabo de vassoura verde.

E não era só vergonha que se via nos olhos do mendigo, mas sobretudo um ódio amargo por todos os outros seres humanos que passavam por perto dele. Conforme gastara o tempo naquela vida de mendigância, fora desenvolvendo uma misantropia de quem se cansa de ser o tempo todo cuspido e escarrado. Por isso só aceitava, e ainda assim lançando um olhar maligno para quem dava, o mínimo de esmola necessário para manter suas necessidades básicas, a bebida aí inclusa. Beber, aliás, era a única coisa que detestava menos em todo o resto da sua existência, justamente porque o fazia ver com melhores olhos aquela porcaria toda que o cercava e que parecia começar em si mesmo para só então abarcar o resto do mundo. Mas depois que acordava no dia seguinte, e da bebida só lhe restava a podridão na boca e as brasas no estômago, maldizia seu vício patético, embora sem muita raiva, pois sabia que logo começaria a busca para alimentá-lo.

Assim deixava os dias se passarem, embriagado de álcool é ódio. Até que um dia cansou-se dessa merda toda e resolveu se sentar e esperar pela morte.

Procurou um banco de uma praça movimentada, para que não se esquecesse do motivo de sua decisão e resolvesse mudar de idéia. Comprou uma garrafa de cachaça barata, acomodou-se no banco e, inclinando o corpo para frente, apoiou o queixo em cima da bengala, sua posição de espera característica. De vez em quando dava um gole da cachaça, mas não muito, porque não queria beber demais e acabar dormindo e assim correr o risco de deixar a morte passar.

Não se sabe muito bem quanto tempo ficou assim, nem quanto da bebida chegou a tomar, e nem muito menos que espécie de Gomorra em chamas ele viu, mas aconteceu de um dia alguém perceber que ele se tornara uma estátua de sal. Mas não esse sal comum, que a gente tem na cozinha e tempera a comida; era um sal duro, escuro e amargo, que deixava um cheiro de pântano nos arredores do banco onde a estátua repousava.

Não é todo mundo que acredita que aquilo é uma estátua de sal, e tem uns céticos mais corajosos que insistem em provar a estátua, passando a língua em alguma parte dela. Todos eles, depois de tal ato de coragem, confessaram que passaram dias com a língua cortada e o com um gosto amargo castigando a boca.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

TOP 5 – MEUS CINCO DISCOS DE ROCK FAVORITOS

TOP 5 – MEUS CINCO DISCOS DE ROCK FAVORITOS

Há algum tempo eu queria falar de música aqui no blog, mas não sabia exatamente sobre qual assunto. Me ocorreu então fazer uma coisa bem clichê e listar os melhores discos de rock que eu já havia escutado. Mas, quando comecei a pensar no assunto, percebi que seria muito difícil fazer tal lista, pois haviam muitos critérios que eu poderia usar pra fazê-la. Escolhi então o mais subjetivo de todos, meu gosto pessoal. Eu sei que este blog não era pra ser um blog pessoal, mas vou fazer essa exceção, então me perdoem. A idéia é mostrar um pouco de música diferente, porque meu gosto musical não é tão convencional assim, pelo menos se tratando de rock. Vou tentar colocar os links dos discos pra download, pois se alguém se interessar pode baixar e ver se concorda comigo ou não. Pelo menos escuta alguma coisa nova.

Uma coisa interessante deste post, é que ele está sendo feito em conjunto com meu amigo Dj, que vai fazer a mesma lista no blog dele. Então não deixem de dar uma passada lá e ver o que ele preparou pra gente. E fica a idéia aí pra quem tem blog também, de fazer a mesma coisa. Dessa forma nós compartilhamos novos sons pra novas pessoas, e a música se movimenta.

Após o preâmbulo de praxe, vamos à lista:


5º Lugar: Rock Bottom - Robert Wyatt


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Robert Wyatt, ex-baterista do Soft Machine (pra quem não conhece, recomendo também), tocava na sua banda nova, o Matching Mole, até que, em 1973, caiu do 3º andar numa festa e ficou paraplégico. Sem poder tocar bateria na sua banda, começou uma carreira solo e lançou o disco que é considerado sua obra-prima, o Rock Bottom. Apesar de ele dizer que o disco não tem nada a ver com sua condição, o próprio nome do disco parece desmentir: rock bottom é uma expressão que corresponde no português a no fundo do poço. As letras são tensas, ressentidas e ácidas, e muitas vezes beiram o nosense, como no caso de Alifib e Alifie; notem, inclusive, como Alifib (uma música que parece falar sobre a relação do autor com sua esposa, mostrando como se ele a usasse) começa com Wyatt fazendo um som como se respirasse com dificuldade.

Conjecturas à parte, Rock Bottom é um disco que me surpreendeu pela beleza e inovação. As músicas são bem diferentes umas das outras, embora cada uma mantenha uma estrutura central que se repete ao ponto de parecer, às vezes, música ambiente. Mas sem aqueles clichês de tecladinhos fazendo os mesmos acordes. Em Rock Bottom o que mais aparece é experimentalismo, com melodias estranhas, timbres diferentes, as letras fantásticas, e a voz de Wyatt, esquisita, mas que se torna bonita quando se acostuma. É um daqueles discos que se escuta e se percebe que lá estão concentradas várias idéias que serão desenvolvidas mais tarde na música. Outra coisa interessante neste disco é que, apesar de eu o ter colocado na última posição, é o único da lista que eu gosto e recomendo escutar e prestar atenção em todas as músicas, pois cada uma encerra uma idéia diferente que vale a pena ser digerida. Um disco realmente bonito e triste, mas ao mesmo tempo esperançoso.


4º Lugar: Kid ARadiohead



Não acho que seja preciso falar do Radiohead aqui, pois todo mundo conhece. Inclusive, esse é o único disco da lista que foi feito depois dos anos 70. Então vou só me concentrar em explicar o porquê dele estar aqui.

Escolher o melhor disco do Radiohead pra mim é difícil, porque sou muito fã de quase tudo o que a banda produziu. Inclusive, fiquei em dúvida sobre qual disco eu escolheria: o Kid A ou o Ok Computer. Mas, embora eu considere o Ok Computer como um dos discos mais importantes de rock do final do século/milênio passado (por ser um daqueles tipos de arte que representam profundamente a época em que foi produzido), esta lista vai pelo gosto pessoal, e não por critérios impessoais. Por isso fiquei com Kid A.

O que me chama atenção neste disco? Primeiro, a quebra com os paradigmas de como se deve fazer rock: aqui quase não existem guitarras (que são substituídas por um monte de barulhinhos), o som é cerebral, mecânico, sintético (uma tendência que já vinha sendo desenvolvida a partir do Ok Computer). Depois, a coragem de fazer experimentalismo quando a banda vinha se consagrando no mainstream alternativo (sic). Por último, a qualidade radioheadiana que me conquista em todos os discos, a beleza das canções, a expressão de Tom York, e a contemporaneidade da produção da banda. Em alguns aspectos, Kid A lembra Rock Bottom. Se ficaram curiosos, baixem e digam se concordam ou não.

Destaque: The National Anthem, louca e política, e melhor do álbum, sem dúvida.


3º Lugar: Pawn HeartsVan Der Graaf Generator


Este terceiro lugar foi difícil de eleger, porque não sabia se ele seria o terceiro ou o segundo; portanto, encarem ele e o segundo lugar como posições móveis, que podem se substituir um ao outro.

Van Der Graaf Generator é uma banda inglesa pouco convencional. Sua formação clássica é dois teclados, bateria e saxofone, ou seja, sem baixo nem guitarra. Outra coisa que diferencia o VDGG é o vocal de Peter Hammill, que algumas vezes já foi chamado de o Jimmy Hendrix dos vocais, por causa do seu domínio de expressões. Muita gente também considera o Hammill um verdadeiro poeta por conta da qualidade de suas letras. Eu estou de acordo com a fama do sujeito.

VDGG começou como uma banda de rock dos anos 60 sem grande expressividade, pois apesar da qualidade do som deles, ainda era uma coisa muito comum. Com a entrada do saxofonista David Jackson na banda, o som deles começou a mudar em direção ao que se tornaria o jeito característico do grupo, e cuja expressividade máxima está em Pawn Hearts.

Podemos considerar, então, este disco como o melhor exemplo do que é VDGG. A sonoridade tensa, as letras profundas, um pouco de psicodelia, e, principalmente, o vocal de Hammill. VDGG não é, definitivamente, uma banda fácil de se escutar, porque é tudo muito expressivo e denso, o que faz com quem não esteja acostumado, veja aquilo como puro exagero. Eu mesmo, a primeira vez que escutei, detestei. Só aos poucos é que se vai acostumando com o som da banda e com a voz de Hammill. Mas quando se acostuma, se é muito bem recompensado.

Pawn Hearts é o melhor disco da banda, sem dúvida. Com apenas 3 grandes músicas (não falando só em qualidade, mas em tamanho mesmo!), ele consegue falar sobre muitas coisas, tanto com sua poesia quanto com sua música. Me conquistou por ser um disco maduro, pesado, às vezes até cruel, mas genial. Recomendadíssimo pra quem conseguir escutar.

Destaque: a última música, A plague of ligthhouse keepers, que, falando sobre um naufrágio, reflete sobre a condição humana no momento da morte


2º Lugar: We’re Only In It For The MoneyFrank Zappa and The Mothers of Invention


Escolher o disco favorito de Frank Zappa é difícil pra qualquer um, já que o sujeito tem uma discografia simplesmente gigantesca, com mais de 60 álbuns de estúdio (espero não estar enganado). Como FZ é, sobretudo, um cara que me diverte, resolvi ficar com esse.

Em 1968 Zappa iria lançar um disco chamado Our Man in Nirvana, que combinaria sua música com as piadas do comediante americano Lenny Bruce. Mas aí ele viu que os Beatles faziam um enorme sucesso com seu Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, e resolveu fazer um disco que satirizasse a influência do flower power na sociedade americana. Além disso, os Beatles levaram o crédito por terem inventado o disco conceitual, quando Zappa já o havia feito um ano antes, com seu Freak Out. É então matando dois coelhos com blábláblá que surge o We’re Only..., com o qual Frank Zappa alertava os perigos da alienação do flower power ao mesmo tempo em que fazia sua pequena vingança contra os Beatles (mas eles eram amigos, não confundam as coisas!).

Com o We’re Only... Zappa continua com o que faz de melhor: desconstruir imagens. Ele não só satiriza o flower power, mostrando o lado alienado do movimento, como o faz com o lado oposto, criticando o conservadorismo americano. Ou seja, ele ataca tanto a “cultura” como a “contracultura”, não se limitando, portanto, a uma única visão política como costuma acontecer com os militantes xiitas, sejam de esquerda ou de direita. Ele não busca oferecer uma solução, como geralmente se faz na política, mas mostrar os problemas para que possam ser pensados por uma outra ótica que não só a oposta. É nisso, pra mim, que está sua força enquanto crítico.

We’re Only... é um disco fantástico que brinca tanto com os aspectos ideológicos dos movimentos, como com os aspetos formais; assim, o disco nos apresenta os jeitos cristalizados de se fazer rock’n roll, mas de forma totalmente desconstruída pelas influências de Zappa, como o jazz e o avant-garde francês. Tudo isso com muito bom humor e qualidade, além de uma dos melhores capas e nomes de disco da história do rock.

Destaque: Let’s Make The Water Turn Grey, ótima música que parece dizer uma coisa idiota, mas que quando você analisa profundamente, vê que é mesmo idiota.


1º Lugar: Dark Side Of The MoonPink Floyd





Bem, logo de cara eu sabia que o primeiro lugar da lista seria um do Pink Floyd, minha banda favorita ever. Mas qual, era a dúvida. Amo a maioria dos discos deles, e escolher apenas um pro primeiro lugar foi terrível. Então, tentei fazer uma associação livre: pink floyd melhor disco: dark side, foi o que veio de cara. Ficou.

Acredito que todo mundo que leia meu blog conheça ou tenha ouvido falar nesse disco, que é tão rico e complexo, que eu não me atrevo a falar sobre seus aspectos. Procurem na net, e vejam. Só digo que é ele representa pra mim: um disco fantástico, nebuloso, melancólico, espacial, onírico, profundo, lindo. Eu sempre me emociono quando imagino a lua cobrindo o sol no final do disco. E quando o coração bate, parece que eu morro e nasço novamente junto com o disco.

Destaque: Time e The Great Gig in The Sky, a primeira pela letra e pelo solo de guitarra e a segunda pela voz de Clare Torry.


PS: os links pra download dos discos estão no nome.